Presidente do STF, Cármen Lúcia diz que enfrentou grupos de pressão sem ceder

A crise política frustrou a pretensão da ministra Cármen Lúcia de marcar sua gestão na presidência do Supremo, que termina em setembro, como o exercício da pacificação social. Coube a ela apaziguar ministros nos embates sobre a Lava Jato, belicosidade que minimiza.

Sua gestão deverá ser lembrada pelo combate à violência contra a mulher, em especial as presas grávidas e lactantes. Investiu em pesquisas e enfrentou a resistência dos tribunais para dar visibilidade ao que chama de “verdade remuneratória” dos magistrados: subsídios, gratificações e penduricalhos.

O Judiciário precisa de mudanças estruturais. Há estados em que mais da metade das comarcas não têm juízes”, diz.

Folha – A sra. disse que gostaria de marcar sua gestão como o exercício da pacificação social. Tem sido bem-sucedida?

Cármen Lúcia – A tentativa de pacificar foi permanente. Não consegui a pacificação social, pelo menos do que era minha atribuição. Porém, dei o exemplo de serenidade nos momentos mais difíceis.

Como enfrenta a animosidade entre ministros?

Com muita tranquilidade. Essa eventual tensão se dá nos julgamentos, na tentativa de convencimento do outro. As pessoas acham que aquilo prevalece depois do julgamento. Ao final da sessão, os ministros saem, conversam entre si.

Como lida com o voluntarismo de ministros?

Acho que não é tanto o voluntarismo. Os ministros têm processos que eles acham que são preferenciais. Há, por parte de alguns —e só por parte de alguns— pedidos de inclusão em pauta. Nem sempre você pode colocar de imediato. Não tive a experiência que indicasse alguma coisa muito pessoal.

Lembrando Catilina, senador romano, até quando Gilmar Mendes vai abusar da sua paciência?

O jeito do ministro é esse. Me dou muito bem com ele. Na verdade, não acho que seja por voluntarismo. Ele defende as suas opiniões, aquilo no que acredita, com uma certa contundência que às vezes é mal compreendida. Mas o ministro sempre motiva muito, é preciso reconhecer isso.

Considera aceitável ministros abandonarem o plenário para atender a interesses privados?

A prioridade é sempre o julgamento do STF. Quando acontece de eles saírem, a justificativa geralmente oferecida é que se estendeu em demasia a sessão, e eles tinham assumido um compromisso não prevendo isso.

E sobre a prisão em segunda instância?

O STF vinha aceitando a execução em segunda instância e, em 2009, houve a mudança de orientação. De 2009 a 2016, alguns ministros que formavam a corrente vencedora começaram a dizer que era preciso discutir, porque se estava levando à impunidade. Em 2016, foi reafirmada a possibilidade do início da execução em segunda instância. A maioria aprovou, dando efeito vinculante.

Essa mudança recente permanecerá na próxima gestão?

Eu não sou capaz de prever. Na minha gestão não se pôs nenhuma razão específica. Não tem por que passar na frente de outros casos para rediscutir.

Como vê a crítica de que o STF foi rigoroso com Lula e benevolente com Renan Calheiros e Aécio Neves?

O que se teve com o ex-presidente foi o julgamento de um habeas corpus ao qual se aplicou a tese que vem prevalecendo na jurisprudência. Não se trata aqui de cuidar de uma ou de outra pessoa. E nos outros casos, nós temos inquéritos e ações ainda em andamento. Não se trata de benevolência.

Qual era a urgência da conversa com Temer em sua casa, num sábado? Não teria sido mais prudente encontrá-lo no STF?

Nem era um caso de urgência. Tinha sido decretada a intervenção no Rio, eu tinha estado lá. Foi uma conversa sobre a questão carcerária e a segurança pública. Não escondi, não estava na agenda porque era na minha casa.

Como tem sido o relacionamento entre a toga e a farda? Celso de Mello criticou as “intervenções pretorianas” do general Eduardo Villas Bôas. Combinou com a sra.?

Não. Nós estamos numa época em que as pessoas falam muito. E há uma quase virulência em muitas falas, gerando a necessidade de resposta. As instituições têm que ser preservadas.

Quais foram as principais marcas de sua gestão no CNJ?

A transparência da remuneração de todos os magistrados. O cadastro de presos, para se saber quais são as políticas necessárias a serem adotadas. A questão das mulheres grávidas e lactantes com prisão decretada. O programa Justiça pela Paz em Casa, com a criação de varas de combate à violência doméstica.

O corregedor nacional, ministro João Otávio de Noronha, faz inspeções nos tribunais, mas não leva os relatórios a plenário. Ele assumiu prometendo blindar os juízes.

Ele vai levar agora [a plenário]. Eles queriam fazer as comparações no final. Por exemplo, por que um tribunal tem produção 30% a menos do que outro…

E quanto às eventuais irregularidades nos tribunais?

Acho que ele vai dar transparência. O número de processos nos quais se teve julgamentos de magistrados é muitas vezes maior do que em outras gestões.

Mas presidentes punidos anos atrás, porque não cumpriram determinações do CNJ na época, foram absolvidos na sua gestão.

Ainda tem os casos dos que foram afastados e, depois de um tempo, mandaram voltar…

Com devolução corrigida do que não foi pago enquanto estiveram afastados por malfeitorias. Está errada essa leitura?

Não. Está correta.

Duvidava-se de sua capacidade de enfrentar grupos de pressão.

Eu mantive o enfrentamento na transparência da remuneração dos magistrados. Ex-ministros e conselheiros disseram que eu não conseguiria. Desde outubro, há uma plataforma com a demonstração de quanto se paga. Eu resisto às pressões. Eu não cedo.

Folhapress

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