Dia: 23 de janeiro de 2022

O inventor de palavras mortas

 

*Gislaine Marins

 

O português é uma língua incrível. Sendo falada em quatro continentes, o nosso léxico cobre praticamente todas as latitudes do planeta. Poderíamos até dizer: o sol jamais se põe no nosso idioma. A qualquer hora do dia e da noite haverá alguém falando português no mundo: para fazer uma promessa de amor, para chorar uma dor, para socorrer alguém, para acreditar, para persistir.

 

Nem tudo, porém, são flores no universo do nosso falar. Há palavras ameaçadas pelo esquecimento e outras que foram abandonadas por sua inutilidade. Há palavras mal compreendidas, porque às vezes queremos entender apenas aquilo que gira em torno do nosso umbigo e esquecemos os matizes, os saberes e as culturas daqueles que talvez nem estejam em outro país, mas apenas em outro Estado. Ignoramos muito e ouvimos pouco. O que além de um defeito, pode ser uma oportunidade.

 

De tudo o que acontece na língua, matéria viva, impregnada de tons e suspiros, de cheiros e de arrepios que sentimos como uma brisa nos ouvidos, o que mais me preocupa são as palavras mortas. No entanto, cabe uma distinção: uma coisa são palavras eternas; outra coisa são palavras mortas, que assombram pelo seu poder de criar rupturas com a realidade. Palavras mortas também não são palavras criativas, nem tampouco palavras imaginárias, que servem para gestar o futuro.

 

Palavras mortas são colocadas em circulação por seus criadores para que as pessoas percam os laços que as unem a um contexto. Quando as palavras são mal pronunciadas, não por problemas de articulação, mas por intenção de que as coisas não sejam compreendidas, cria-se uma palavra morta. Palavra inútil, danosa, feita para minar o sentido das palavras que possuem consenso. Quando falsificamos uma palavra, matamos a sua história e a sua semântica, tendo de recorrer a dezenas e centenas de outras palavras para reconstituir sentidos e desfazer o que foi arruinado. Quando as pessoas usam palavras no sentido próprio com o claro objetivo de enganar o interlocutor, matam o sentido da palavra credibilidade, que por sorte é como um gato com sete vidas. Há, porém, palavras mortas que conseguem ser ainda mais perigosas, pois os seus inventores criam para elas sentidos que abalam tudo o que conhecemos e nos desafiam a acreditar em coisas que podem ameaçar a nossa própria vida.

 

O que dizer de quem inventa palavras para afirmar que a Amazônia está mais verdejante do que nunca, que os nossos indígenas são os mais tutelados das Américas, que os nossos produtos agrícolas são seguros e legais, que o nosso ouro é explorado sem riscos para a nossa saúde? É um inventor de palavras mortas. Palavras perigosas: que envenenam o nosso prato, destroem o nosso meio ambiente, colocam em risco o solo e as águas e atingem em cheio a nossa ética.

 

Não podemos perceber palavras mortas e ficar calados. Todo crime clama por justiça, ainda que seja um crime linguístico. E talvez porque seja um crime linguístico: pois é mentindo, inventando, enganando, omitindo que as realidades tomam corpo. Toda palavra adquire materialidade, transforma-se em pensamento, em proposta, em ação. Há palavras que se tornam leis e que, justa ou injustamente, são impostas. Imaginem o que pode acontecer na nossa língua se os fazedores de realidades, com suas ordens, projetos e decretos, forem também inventores de palavras mortas. Imaginem, então, o que podem fazer com a nossa vida:

 

(Que falta nos faz Clarice Lispector, inventora de narrativas que colocam em crise o sentido de completude do texto. Inacabar era a sua especialidade, esperando que o leitor assumisse o seu papel ao virar a última página de cada livro. Assim, também esses dois pontos são um convite: que de palavras mortas já temos demais no mundo, e é hora de reconhecê-las, e de enterrá-las, e de dar espaço àquelas que podem transformar os nossos horizontes.)

 

Imagem: Pixabay

 

*A autora é Doutora em Letras, tradutora, professora e mãe. Autora de verbetes para o Pequeno Dicionário de Literatura do Rio Grande do Sul (Ed. Novo Século) e para o Dicionário de Figuras e Mitos Literários das Américas (Editora da Universidade/Tomo Editorial). É autora do blog Palavras Debulhadas, dedicado à divulgação da língua portuguesa.

 

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Pesquisa descobre que a convivência social afeta a saúde mental dos idosos

 

Uma pesquisa sobre qualidade de vida e depressão em idosos descobriu que a convivência social pode afetar o bem-estar dessas pessoas. Na sua tese de doutorado, Bruno Araújo, do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde do Centro de Ciências da Saúde (CCS/UFRN), aborda temas como saúde mental e depressão em idosos.

 

O estudo desenvolveu e testou a efetividade de uma intervenção educativa com várias dimensões para melhorar a qualidade de vida e reduzir sintomas depressivos em idosos atendidos na atenção primária à saúde. Com os resultados obtidos, profissionais da saúde podem conhecer melhor os cenários estudados e compreender o que afeta o conforto, a saúde psicológica e a realidade socioeconômica dos idosos.

 

De acordo com a tese, intitulada Qualidade de vida e sintomas depressivos em idosos da atenção primária à saúde: estudo de intervenção e comparativo no Brasil e em Portugal, o acompanhamento do indivíduo e o estabelecimento de um vínculo de confiança entre a equipe que cuida do idoso e o paciente são fundamentais para sua saúde mental. Essa afinidade deve ser efetuada, inclusive, em comunidades em que é observada a falta de condição para impor hábitos saudáveis, prevenção e tratamento de doenças. Sendo assim, a melhor forma para isso é a Atenção Primária à Saúde (APS), que é representada por profissionais que atuam diariamente em contato direto com essas pessoas.

 

Para realizar a pesquisa, foram usados dois métodos. O primeiro foi uma análise longitudinal, que testou o impacto de intervenções multidimensionais aplicadas a idosos brasileiros e ligadas à Atenção Primária à Saúde. O segundo foi um estudo observacional, comparando a associação e o risco da depressão sobre os aspectos da qualidade de vida entre idosos usuários da APS residentes no Brasil e em Portugal.

 

Bruno explica que seu objetivo era o de observar as fragilidades envolvendo a comunidade mais velha. “Pesquisei sobre a condição socioeconômica dentro de Natal e analisei como as intervenções iam afetar o contexto da saúde dessas pessoas. Elas tiveram uma melhora dos aspectos de qualidade de vida, tanto na questão mental quanto emocional e física”, declara o pesquisador. Para isso, os participantes foram pareados para o Grupo Intervenção (GI), sendo criadas combinações e perfis, estabelecendo características de gênero, faixa etária, estado civil, escolaridade e renda familiar. De acordo com o perfil estabelecido para a primeira equipe, também foram atribuídas características para o Grupo Controle (GC). Depois, para cada representante de código no GI, deveria haver pelo menos um participante com o mesmo código no GC, constituindo, assim, o pareamento entre os grupos.

 

De acordo com Bruno Dantas, atualmente há uma intensidade dos sintomas de distúrbios mentais, inclusive a depressão em idosos, e as ferramentas usadas para o desenvolvimento de sua investigação podem facilitar o diagnóstico desses casos. “O impacto dessa pesquisa está voltado para a execução de uma política de saúde com intervenções como o contato social. Esse diagnóstico possibilita planejar medidas assertivas para a implementação dessas políticas”, completa Dantas.

 

Como método de pesquisa, foram usados questionários para dados demográficos no intuito de coletar informações como a idade, gênero, estado civil, renda familiar e nível escolar; o Medical Outcomes Short-Form Health Survey, um instrumento de avaliação genérica de saúde com questões claras e objetivas sobre as percepções do participante sobre saúde, limitações físicas e emocionais e expectativas sobre sua saúde; a Escala de Depressão Geriátrica de 30 itens, utilizada em pesquisas com idosos com perguntas objetivas sobre sintomas depressivos, gerando um escore que pode ser utilizado para classificar a presença e a gravidade da depressão geriátrica; e o Miniexame de Estado Mental (MEEM), exclusivo para avaliar a função cognitiva.

 

Durante os testes, sete tipos de intervenções foram realizadas na expectativa de ver qual era o mais eficaz para alcançar melhorias na qualidade de vida do grupo estudado. As interferências eram simulação realística de supermercado; abordagem nutricional e hábitos alimentares; tecnologia de manuseio e interação social; exercícios e atividades físicas acessíveis; gamificação de hábitos alimentares; pesquisa de alimentos online e tecnologia para entretenimento.

 

No segundo estudo, foi analisado um comparativo entre o Brasil e Portugal em relação aos idosos. A análise observacional trouxe resultados quantitativos para comparação. Para realizá-la, foram utilizados questionários com dados socioeconômicos e de saúde. Nessa etapa da investigação, foi possível ver que há uma presença maior de mulheres entre 65 e 80 anos em ambos os países, mas há uma diferença de renda, e isso leva a que os idosos de Portugal tenham mais qualidade de vida.

 

Como resultado, constatou-se que as intervenções aplicadas no primeiro momento demonstram um desfecho favorável no Grupo Intervenção em comparação ao Grupo Controle. É possível ver uma redução dos sintomas depressivos e uma melhora na saúde mental, estado geral e saúde física dos participantes do GI. No segundo instante, destaca-se a associação, correlação e risco entre a depressão e os aspectos relacionados com questões emocionais, físicas, funcionais e de saúde mental. Os dados se mostraram mais expressivos em Portugal em comparação ao Brasil.

 

O autor da tese, Bruno Dantas, diz que pensa em realizar novas pesquisas relacionadas ao assunto e que teve muita motivação com os resultados obtidos durante o estudo. Ele afirma que é importante pesquisar e garantir respostas para o avanço científico.

 

Com informações da UFRN

 

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